Ela se chama Barbara Millicent Roberts. Tem 64 anos, mas corpinho de 19.
Nasceu em Willows, Wisconsin. E por incrível que pareça já teve mais de 250 carreiras ao longo de uma vida inegavelmente bem vivida.
Você provavelmente a conhece pelo apelido. Barbie. Mas o que sabe além disso?
No alto de seus 29 centímetros de plástico, a Barbie é indiscutivelmente a boneca mais famosa do mundo.
100 unidades da Barbie são vendidas a cada minuto; mais de 52 milhões por ano. Você piscou e um pai comprou uma boneca para a filha, em alguma região do planeta.
A Mattel diz que já vendeu pelo menos 1 bilhão de unidades desde o seu lançamento.
E apesar de ser um símbolo americano, esta boneca nunca foi fabricada nos Estados Unidos.
O único aspecto físico made in USA da Barbie é sua embalagem de papelão, junto com algumas das tintas e óleos que são usados para decorá-la.
Na verdade, a Barbie inicia sua vida bem distante da terra do tio Sam: na Arábia Saudita, onde o petróleo é extraído e então refinado em etileno, o composto químico usado para criar seu corpo de plástico.
Uma empresa de petróleo compra esse etileno e o vende para um produtor de plásticos de policloreto de vinila (também conhecido como PVC). É nesse local que a mágica química acontece.
Os grânulos de PVC saem desta indústria e vão parar nas fábricas asiáticas que produzem a Barbie, quase todas na China.
Até antes da pandemia, metade dos brinquedos do mundo eram produzidos em Dongguan, uma cidade na província de Guangdong, no sul da China. Isso inclui uma em cada três bonecas Barbie.
Depois que o corpo da Barbie é moldado nessas fábricas, ela recebe o cabelo de nylon do Japão.
Seus vestidos são feitos na China, com algodão chinês.
Outros materiais usados na fabricação da boneca incluem poliuretano, acrilonitrila butadieno estireno, poliéster, politereftalato de etileno e elástico.
Finalizadas, essas bonecas são transportadas em caminhões em direção aos maiores portos da China. Desses lugares elas alcançam, em contêineres, lojas de pelo menos 150 países.
Parece trabalhoso, mas é bem mais barato que a opção de fabricar tudo na Califórnia, a sede da Mattel.
Apesar disso, algum crédito, claro, fica nos Estados Unidos. Por exemplo: o desenvolvimento da Barbie é legitimamente americano.
Uma equipe de mais de 100 designers, alfaiates, esteticistas e escultores cria um conceito de design antes do início do processo de fabricação de uma boneca. A equipe trabalha no cabelo, na maquiagem e no guarda-roupa da Barbie.
A equipe de cabelos e cosméticos conta com cinco artistas plásticos e dois cosmetologistas licenciados. Há 52 opções de cores de cabelo para a boneca (uma em cada cinco Barbies é morena).
Os designers trabalham em um protótipo de boneca, selecionando um tom de pele e criando uma paleta de cores para sombras, delineadores e cores de blush.
Quando a Barbie está pronta para finalmente alcançar o quarto de uma criança, ela só atinge esse feito após passar por uma extensa cadeia global de produtos e materiais, resultado do talento inventivo de milhares de trabalhadores oriundos dos mais diferentes cantos do planeta.
Mas Barbara Millicent Roberts é bem mais que um ser indefeso de plástico que atravessa oceanos para alegrar a vida de crianças – é também uma mulher com uma reputação no mínimo controversa. E isso decorre principalmente graças ao formato do seu corpo: sua cintura fina, seios fartos, pernas longas, pescoço esguio, cabelos loiros esvoaçantes.
Alguns cientistas testaram a sorte. A probabilidade de uma mulher ter um corpo tão curvilíneo como o da Barbie é de uma em 100 mil. A probabilidade de um homem ter um corpo como o do Ken – o namorado da Barbie – é de uma em 50.
Não é coincidência. Na verdade, essa história começa antes mesmo da própria Barbie vir ao mundo.
Na década de 1950, em seu nascimento, o tabloide alemão Bild publicava tirinhas com uma personagem chamada Lilli, criada pelo ilustrador Reinhard Beuthien.
Estampada no jornal com uma certa conotação erótica, a história em quadrinhos de Reinhard definitivamente não era indicada para menores de idade. Lilli não era uma garota modelo; sua razão de ser envolvia trocar favores sexuais por dinheiro.
Mas a personagem fez sucesso. E em 1953, o Bild decidiu transformá-la em uma boneca.
Foi uma edição dessa boneca que a americana Ruth Handler, fundadora da Mattel, encontrou, por acaso, numa loja de brinquedos em Zurique, em meio a uma viagem à Europa no fatídico ano de 1956.
Parecia controverso – e foi, de fato, motivo de grande agitação na sociedade americana – mas Ruth usou a estética da sensual Bild Lilli como inspiração para desenhar a Barbie, um dos principais símbolos da infância no Ocidente (Bárbara, aliás, é o nome da sua filha; assim como Ken é o apelido de seu filho).
A Barbie veio ao mundo em 1959 como um dos primeiros brinquedos infantis com seios.
Para Ruth, sua criação era um símbolo de liberdade e possibilidades para meninas e mulheres de todas as idades. Mas nem todo mundo enxergava a Barbie da mesma forma. Especialmente as feministas.
Em 1971, a Organização Nacional para Mulheres acusou a Mattel de estereotipar meninos e meninas.
Na Toy Fair, em 1972, feministas voltaram a apontar o dedo para a boneca – a Barbie foi condenada por encorajar as meninas a se verem como objetos sexuais.
E ao longo do tempo, a polêmica não ficou restrita ao feminismo americano.
O Kremlin, consternado com o domínio que a Barbie exercia sobre a imaginação das meninas russas desde a Guerra Fria, chegou a bani-la em 2002, concluindo que a boneca estimulava o “interesse sexual precoce” entre as crianças.
Em 2003, foi a vez do regime da Arábia Saudita se mover contra o brinquedo, proibindo o que chamou de “bonecas Barbie judias” cujas “posturas vergonhosas” carregavam um perigoso “símbolo de decadência de um Ocidente pervertido”.
Em 2012, o Irã também decretou guerra à Barbie.
Na ocasião, dezenas de lojas de brinquedos foram fechadas em batidas policiais em Teerã. Bonecas foram confiscadas, lojistas foram penalizados. A Barbie era vista como um “cavalo de Troia” para destruir o Islã. Um brinquedo profano.
Mas não dá pra resumir a Barbie a um mero produto ofensivo da sociedade judaica cristã ocidental. A Barbie também comunga do melhor que o Ocidente tem a oferecer ao mundo.
Nesses 64 anos, sendo testemunho vivo de seu próprio slogan – “Você pode ser o que quiser” – foi engenheira de computação, desenvolvedora de videogames, exploradora espacial e engenheira de robótica. Atuou como bombeira, jornalista, cirurgiã e CEO.
É uma inegável evolução do ramo. Antes da Barbie, as bonecas disponíveis – quase todas enfadonhamente sem graça, feitas de pano ou papel – cultivavam a vocação das meninas para serem mães e esposas devotas. Meninas brincavam de casinha e cuidavam das bonecas como se fossem suas próprias filhas.
É a Barbie quem muda essa história. A Barbie é mais que uma boneca: ela é o sonho americano.
A Mattel lançou o primeiro produto infantil a apresentar uma imagem aspiracional de uma mulher jovem e elegante com uma identidade e um apelo físico que não condiziam com o estereótipo da mãe americana dos anos 1950.
A Barbie dava às meninas a oportunidade de acessarem a moda com uma personagem adolescente. Era revolucionário (e foi um sucesso imediato, com mais de 300 mil unidades de bonecas vendidas em seu primeiro ano).
Mas mesmo isso evoluiu. A criação de Ruth Handler não está mais confinada a uma aparência física específica, loira de olho azul – há Barbies de todas as cores, com diferentes tamanhos e “percentuais de gordura”. Seu valor, enquanto objeto que instiga a imaginação infantil, vem do que ela faz e de quem ela é (às vezes a figura famosa na qual se baseia; às vezes a Rosa Parks ou uma jovem com síndrome de down).
A Barbie também pode ser uma ferramenta útil para ensinar às crianças como a economia penetra em todos os aspectos de nossas vidas. Quer falar sobre como somos dependentes de trabalhadores estrangeiros e do comércio internacional? Pegue uma Barbie.
E não se engane. Pais também podem aprender lições econômicas valiosas com a boneca. Um exemplo é o que o professor Matthew Notowidigdo, da Universidade de Chicago, chamou de Barbie Paradox.
Há um aparente paradoxo nas diferentes versões da Barbie: mesmo quando elas comungam de características parecidas, produzidas virtualmente com o mesmo material, o preço de uma Barbie varia muito dependendo da sua profissão.
Matthew explica esse fenômeno com base nas expectativas que os pais têm em relação aos filhos. Ele supõe que as famílias mais ricas têm maiores ambições, e sonham que suas filhas, um dia, serão engenheiras ou advogadas – e não cabeleireiras ou jardineiras.
A Mattel explora esse desejo estabelecendo um preço mais alto, digamos, para a boneca médica enquanto cobra um preço mais baixo, por exemplo, para a boneca que trabalha numa floricultura.
O paradoxo da Barbie é um exemplo claro de discriminação de preços. Há inúmeros outros exemplos na economia, com motivações mais complexas do que conseguimos captar num primeiro olhar.
À sua maneira, a Barbie nos ajuda a entender o mundo: das relações altamente complexas que construímos dentro de nossas casas, no íntimo de nossa psiquê, às conexões que ligam fábricas distantes, poços de petróleo, protestos por direitos trabalhistas e as lojas das esquinas de nossos bairros.
Nada mal para um pedaço de plástico de 150 gramas.
Nenhum comentário. Seja o primeiro!